ATA DA TRIGÉSIMA SEXTA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 21.11.1996.

 

 


Aos vinte e um dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e seis reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezessete horas e trinta minutos, o Senhor Presidente decla­rou abertos os trabalhos da presente Sessão destinada a homenagear o Dia da Consciência Negra, nos termos do Requerimento nº 03/96 (Processo n0 83/96), de autoria do Vereador Wilton Araújo. Compuseram a MESA: o Vereador Isaac Ainhorn, Presidente desta Casa e a Senhora Maria Conceição Lopes Fontoura, representante do Movimento Negro de Porto Alegre. Em continuidade, o Senhor Presidente convidou a todos para que, em pé, assistissem à execução do Hino Nacional. Em prosseguimento, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Ve­readores que falariam em nome da Casa. O Vereador Wilton Araújo, em nome das Bancadas do PDT PMDB, PPS, PST, PTB, PPB, PFL e PSDB, ressaltou a importância desta data, que marca a luta contra o preconceito racial. A seguir, como Extensão da Mesa, o Senhor Presidente registrou a presença de represen­tantes das seguintes entidades ligadas ao Movimento Negro: Templo do Sol Ura­batã e Oxum, Instituto de Pesquisa das Culturas Negras do Rio de Janeiro, Gazeta Afro-Latina, Congresso Nacional Afro-Brasileiro-Seção Rio Grande do Sul, As­sociação das Mulheres Negras Gaúchas, União dos Negros pela Igualdade, Movi­mento Angola-Janga, Satélite Prontidão, Motiran, Associação das Empregadas Domésticas e Grupo de Mulheres Negras Maria Mulher. A Vereadora Helena Bonumá, em nome da Bancada do PT, destacou a luta dos Movimentos Negro e de Mulheres em busca de uma nova humanidade, onde o ser humano terá o mes­mo valor, independente de cor ou sexo. O Vereador Raul Carrion, em nome da Bancada do PC do B, disse da convicção de seu Partido de que somente a con­quista de uma sociedade socialista e fraterna garantirá a verdadeira igualdade so­cial, racial e de gênero. Em prosseguimento, o Senhor Presidente passou a pala­vra a Senhora Maria da Conceição Lopes Fontoura, que fez uma reflexão sobre a história do movimento negro no Brasil. Às dezoito horas e vinte e quatro minutos, nada mais havendo a tratar, o Senhor Presidente declarou encerrados os trabalhos, convocando os Senhores Vereadores para a próxima Sessão Ordinária a ser reali­zada amanhã à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Isaac Ainhorn e secretariados pelo Vereador Wilton Araújo, como Secretário “ad hoc", do que eu Wilton Araújo, Secretário “ad hoc”, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após ser distribuída cm avulsos e aprovada, será assinada pelo Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 

 


O  SR. PRESIDENTE: (Isaac Ainhorn) Damos por abertos os trabalhos da 36º Sessão Solene, da 4ª Sessão Legislativa, XI Legislatura, destinada a homenagear o Dia da Consciência Negra. O Requerimento foi de autoria do Ver. Wilton  Araújo.

Gostaríamos de, nesta oportunidade,  convidar a representante do Movimento Negro de Porto Alegre, Maria Conceição Lopes Fontoura para compor a Mesa. Agora, convidamos  todos os presentes para que ouçamos a execução do Hino Nacional.

 

(É executado o Hino Nacional)

 

Nós concedemos a palavra, neste momento, ao Ver. Wilton Araújo.

 

O SR. WILTON ARAÚJO: Exmo. Sr. Presidente Ver. Isaac Ainhorn; Exma. Sra. representante do Movimento Negro de Porto Alegre, Sra. Maria Conceição Lopes Fontoura; minhas Senhoras, meus Senhores, que representam o Movimento Negro na Cidade de Porto Alegre do Estado do Rio Grande do Sul; querido amigo Wilson Ávila, grande inspirador de muitos momentos da vida deste Vereador, e demais convidados que se fazem presentes nesta Sessão que marca o Dia da Consciência Negra no Município de Porto Alegre, dentro da Semana da Consciência Negra, que é uma conquista de há muito na Cidade de Porto Alegre. Agora, com o passar do tempo  e com o aprimorar das organizações negras, é chegado o momento de uma maturidade para que nós comecemos a realizar algumas coisas mais práticas, o que não vinha acontecendo pela pouca maturidade do processo. Mas, certamente, isso está acontecendo agora e nós vemos e sentimos isso com muita alegria.

(Lê.)

 “1. Estamos aqui mais uma vez reunidos para, evocando a grande figura de Zumbi dos Palmares, reafirmar nossos inarredáveis compromissos para com a causa das populações negras.

2.  Este encontro anual que aqui realizamos, sob os auspícios da Semana da Consciência Negra de Porto Alegre, reveste-se, em cada nova edição, de renovada importância.

3.  Digo isto, Senhores, porque a tarefa de resgatar a verdadeira história da trajetória dos negros em nosso País, não tem sido fácil, assim como não tem sido fácil a luta pelo fim da discriminação e do preconceito.

4.  A Historiografia oficial, ao longo dos séculos, vem mascarando, de forma insidiosa, a incansável luta de uma raça, que, mesmo sob as mais adversas condições sociais a que vem sendo submetida,  mantém viva sua identidade cultural e seu empenho na conquista de um vida digna, num ambiente de democracia racial, com iguais espaços para todos.

5.  Assim, entendo que a consagração do dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra, juntamente com todas as demais manifestações no sentido da conscientização e discussão acerca das questões inerentes à população negra, tem importância, renovada a cada ano, não somente para os negros, mas também para todos aqueles que se alinham na luta para a construção de uma nação que garanta iguais oportunidades para todos, indistintamente, sem desprezar a importância do mantenimento da identidade cultural das populações que a integram.

6.  Neste sentido, a rememoração da verdadeira história da resistência da raça negra renova, dentro de todos nós, a força para não esmorecermos na luta.

7.  E, indiscutivelmente, as figuras que mais caracterizam o verdadeiro espírito de resistência dos negros são a de Zumbi e a do Quilombo dos Palmares.

8.  Palmares significa um evento sem precedentes na história brasileira: uma sociedade econômica, social e politicamente organizada, à margem e contra a sociedade escravista colonial, integrada, inclusive, por diferentes grupos étnicos – negros, brancos e índios. Sua organização faz pressupor uma sociedade avançada, igualitária, fraternal e livre.

9.  Não há outra maneira de se explicar sua espetacular saga de resistência por mais de um século contra verdadeiros e bem aparelhados exércitos. 

10.           Zumbi, por outro lado, conhecia a força da liberdade: nascido e criado no trabalho comunitário das plantações, no contato com as florestas e os rios exuberantes de Palmares e forjado no preparo da guerra que sustentou a incessante resistência, surge como o grande guerreiro, cuja figura se tornaria lendária.

11.           Alguém poderá pensar que as histórias de Zumbi e dos Quilombos todos nós já as conhecemos bem, e que talvez fosse desnecessário que sempre e repetidamente as relembrássemos. 

12. Todavia, penso diferentemente, enquanto vivermos numa sociedade em que para os negros, em sua esmagadora maioria, estiver sempre reservada a discriminação nas escolas, nos empregos, nas condições de moradia e saúde, mais vivas e palpitantes dentro de nós devem estar as figuras de Zumbi e da República Libertária de Palmares, pois a tarefa de abrir consciências é difícil e arrastada no tempo.

13.           Mas. Apesar disto, sentimos que, a cada ano, avança a conscientização em relação à causa dos negros. E avança dentre, e principalmente da própria raça negra. Por isso, a importância de relembrarmos sempre os feitos e as lutas dos heróis negros.  

14.           Inspirados nestas lutas é que devemos todos nós, que possuímos o compromisso e a consciência da importância da luta contra a discriminação racial, pautar nossas atitudes, utilizando-nos de todos os instrumentos democráticos existentes e quiçá criando outras ferramentas para esta luta.

15.           Nas três oportunidades em que ofereci meu nome e fui eleito para representar a população de Porto Alegre nesta Casa, procurei sempre colocar minha voz a serviço da luta anti-racista. Neste sentido, além da atuação permanente em questões que interessam à comunidade negra, consegui, com o apoio de pessoas e entidades, bem como dos demais vereadores deste Legislativo, concretizar algumas iniciativas que ficarão para o futuro, a serviço do debate e da conscientização permanentes acerca das causas dos negros, são elas: a Lei nº 6986, de 27.12.91, que ‘institui a Semana da Consciência Negra no Município de Porto Alegre’ e a Lei nº 7708, de 23.11.95, que ‘autoriza o Poder Executivo Municipal a construir monumento em memória aos 300 anos da Morte do Líder Negro Zumbi dos Palmares’. Tramitando ainda está o Projeto de Lei nº 146/95, que ‘institui o Hino à Negritude na Cidade de Porto Alegre’. Desta forma, penso estar deixando alguma contribuição para a nossa causa.  

16.           Para finalizar, estou persuadido de que somente através de um efetivo processo de democratização e de corajosas transformações sociais, onde os movimentos negros terão um papel de grande importância, é que será  possível encontrar saídas para o contexto de dependência, de miséria, de discriminação e de injustiças que sofre o nosso povo. Sobretudo, há que preservar a nossa soberania, construindo-se uma nação que integre, efetivamente, todos os brasileiros. 

17.           Eis, em síntese, o motivo de estarmos aqui hoje. Eis o motivo para estarmos aqui evocando a memória de Zumbi, o Guerreiro dos Palmares, um grande herói deste País.” 

Para mim é, fora do contexto do discurso que escrevi, um motivo de muito orgulho pessoal poder dizer que durante esses 14 anos que estive na Câmara foi uma das minhas principais preocupações a causa do negro, e, para finalizar, de maneira afetiva, com o coração, quero dizer que esta é, certamente, a última Sessão Solene em que tenho a oportunidade de falar como proponente. Para mim, é muito gra­ta a coincidência  - ou talvez não seja coincidência, porque todos os anos eu vinha pedindo esta Sessão - de ser ela exatamente a Sessão que marca o Dia Nacional da Consciência Negra.

Em final de mandato, saindo, posso observar e ter jun­to de mim pessoas com quem trabalhei durante tanto tempo, a quem res­peito e que colaboraram muito comigo nos meus três mandatos na Câmara Municipal, independente dos Partidos. Sabemos que os Partidos são, muitas vezes, passageiros, muitas vezes não têm no seu cerne tudo aquilo que pode representar a nossa causa. Mas essa mescla, essa mistura de Partidos e interesse maior da causa negra é que nos vem unindo duran­te todo esse tempo.

Por isso, sinto-me reconfortado e muito feliz em poder estar aqui, na última Sessão em que falo como proponente, exatamente marcando o Dia Nacional da Consciência Negra.

Muito obrigado pela integração, pela sugestão, pelo trabalho que conseguiram realizar e que pude realizar junto com vocês. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Registramos, como extensão da Mesa, os representantes de diversas entidades ligadas ao movimento negro: Templo do Sol Urabatã e Oxum, Instituto  de Pesquisa das Culturas Ne­gras do Rio de Janeiro, a Gazeta Afro-Latina, Congresso Nacional Afro-brasileiro, Seção Rio Grande do Sul, Associação das Mulheres Negras Gaúchas, União dos Negros pela Igualdade, Movimento Angola-Janga, Sa­télite Prontidão, Motiran, Associação das Empregadas  Domésticas e Grupo de Mulheres Negras Maria Mulher.

É com satisfação que registramos a presença de todas essas pessoas, dessas representações, no dia de hoje, numa Sessão que, além de marcar a importância do registro do Dia da Consciência Negra, largamente discutida que proporciona uma semana em que se faz a reflexão sobre a luta dos negros e movimento negro no Brasil coincide com uma marca muito forte, que é a manifestação do Ver. Wilton Araújo. E como ele mesmo referiu, no curso desses anos, permanentemente, não só como autor do Projeto, requereu a realização desta Sessão Solene que marca, para a nossa tristeza - mas a sua luta sempre estará na luta dos movimentos sociais -, de uma certa maneira uma despedida das manifestações solenes aqui nesta Casa, uma vez que esta é uma das últimas Sessões Solenes que se realizam neste ano até o dia quinze de dezembro. Mas, com certeza, o seu trabalho nesses quator­ze anos deixou uma marca muito forte aqui nesta Casa registrando a história da Cidade. Dará continuidade à sua ação fora da Câmara e, quem sabe, retorne a esta Casa em um posto mais graduado na sua brilhante vida pública, pois, inclusive, presidiu com muito brilhantismo  es­ta Casa.

Com a palavra, a Vera. Helena Bonumá, que fala em nome do PT.

 

A SRA. HELENA BONUMÁ: Sr. Presidente, Srs. Vereadores, companheira Conceição, representante do Movimento Negro em Porto Alegre, companheiras e companheiros lutadores da causa anti-racial. Eu falo em nome da Bancada do PT e é um prazer estar nesta Sessão. Eu fazia uma reflexão enquanto o Ver. Wilton Araújo falava, resgatando esta tradição que a Câmara Municipal tem em marcar esta data, e estava pen­sando que, de fato, a gente vive tempos extremamente difíceis  e esta luta propicia muito isto: evidenciar a contradição que nós estamos vivendo neste momento. Se é verdade que nós temos conquistas legais, diferentes, e muito mais conquistas legais que há dez ou quinze anos; se é verdade que a gente já tem espaços institucionais que defendem esta luta; se é verdade que existem políticas públicas, hoje, voltadas para esta questão, ao mesmo tempo, acho que podemos dizer que vivemos, do ponto de vista dos lutadores de esquerda, da  cau­sa socialista, daqueles que querem, de fato, uma igualdade entre as pessoas no mundo, um revés muito doloroso. Essas derrotas sucessivas que temos tido ao neoliberalismo... E aí não é só um problema de ajuste econômico que desmantela as relações de trabalho e as possi­bilidades de melhoria da vida das pessoas, gestando toda a miséria e a barbárie que tem sido característica da nossa sociedade, não é só isso não; é a derrota ideológica, a derrota que faz com que valores muitos preciosos para nós, como, por exemplo os valores da igualdade, da fraternidade, tornem-se símbolos cada vez mais remotos e comecem a aparecer com cada vez mais força aqueles elementos que reconhecem nas nossas diferenças motivos para nos explorar, motivos para nos humilhar, para nos tornar cada vez mais desiguais. Nós vivemos num capita­lismo cada vez mais perverso deste ponto de vista.

As nossas diferenças de mulheres e homens, as nossas diferenças de brancos e negros, as diferenças inter-raciais e aqui, no Brasil, a diferença de brancos e negros, principalmente, e a diferença de quem tem orientação sexual di­ferenciada são usadas como elementos de maior exploração do povo. No movimento de mulheres, temos feito uma reflexão muito grande em relação a isso. Temos que unificar as nossas lutas no sentido de conseguir resgatar esses elementos de humanidade, além de sermos brancos ou pre­tos, além de ter essa ou aquela opção sexual, além de sermos mulheres ou homens.

Acho que, no ano passado, com os 300 anos de Zumbi, o povo negro no Brasil deu uma demonstração muito grande disso. Para mim, foi um ano que  catalisou, precipitou toda uma coisa que já existia na sociedade brasileira há muitos anos: todo o ressurgimento muito forte da consciência racial numa multidisciplinidade de organizações do movimento negro, das  mulheres negras e de conquistas legais, de lutas por todo o Pais. No ano passado, demonstrou-se todo o vigor que esse movimento tem e o resgate do peso e da importância que o negro tem na nossa tradição, na nossa cultura, na formação da nação brasileira, na nossa formação como País. De fato, foi um símbolo,  mas acho que, ao mesmo, tempo ele evidenciou as fragilidades da nossa luta e desse movimento - não estou criticando aqui o movimento dos companheiros, estou ressaltando o movimento daqueles que lutam por democracia, porque o Ver. Wilton Araújo bem colocou: a noção que temos que ter de democracia hoje não é mais aquela da democracia formal e política, do voto ou da representação partidária. A noção de demo­cracia que temos que trabalhar, cada vez mais, na nossa sociedade é aquela que abre os espaços para todos os setores da sociedade, e não apenas para participarem politicamente, mas para serem incorporados ao desenvolvimento. Essa democracia nós não temos, e essa democracia, pela qual os diferentes movimentos sociais lutam - a contribuição do movimento negro bem expressa nesse vigor todo que foi a luta do ano passado -, demons­trou a fragilidade dessa noção de democracia e o quanto a gente tem que lutar por ela. Nesse sentido, a nossa luta ainda tem alguma fragilidade e um espaço como a Câmara reflete muito bem isso. A opressão existe e ela é brutal; ela não é um tema para o dia 20 de novembro, ela está na vida das pessoas, aquelas pessoas que têm a cor da sua pele como elemento de discriminação e de exploração. E isso é o cotidiano, é o drama da vida de milhares de pessoas, que têm as suas condições de vida determinadas por isso; porque um fator biológico é usado historicamente e se transforma numa construção social de apartamento de um setor todo da população do desenvolvimento. Isso nós não podemos mais permitir. Não tem que ser tema da nossa reflexão apenas no dia 20 de novembro.

E aí eu acho que o Estado tem um papel importante numa sociedade com as características da nossa. O Estado tem um papel nessa democratização, nessa garantia dos direitos de cidadania, nessa renovação da visão de democracia. O Estado brasileiro não tem cumprido esse papel. Acho que as outras instituições - como, por exemplo, o Legislativo, que tem aprovado sucessivamente leis como nós fizemos aqui na Câmara - têm que fazer uma reflexão, pois têm que mudar também o seu papel.

Está muito longo o período entre o que a gente consegue aprovar e o que vigora na vida daqueles que são discriminados. E aí temos que recuperar uma indignação, temos que dizer que temos pressa, que não dá mais. Não é um projeto para o futuro, é a vida das pessoas, que são humilhadas e discriminadas em seus cotidianos e que têm as suas opções de vida determinadas por esse critério de raça e de sexo.

Acho que temos que fazer uma reflexão, numa Câmara de Verea­dores e na ação do Estado, que ela e uma reflexão autocrítica. É certo que temos assumido projetos, aprovado leis, mas nós temos que ser muito mais incisivos nesse sentido, temos que romper com essa característica, ainda formal, de nossas ações. A discriminação e a opressão devem ser incorporadas na nossa luta por um desenvolvimento mais democrático em nosso País. E a luta anti-racial assim como a luta feminista deve ser um critério de governar, de ações legislativas. A pressa e a ação que devemos ter é no sentido de somarmos nossas energias e nossas forças para encurtar a distância entre conquistas legais, entre demandas, entre lutas e no sentido de minimizar os patamares e a discriminação, superando a reprodução, atacar os mecanismos que estão em nosso cotidiano reproduzindo sistematicamen­te, renovando e modernizando a opressão que o povo negro sofre. Gostaria de  resgatar o que eu entendo que seja o sentido de nossa luta. É preciso que a luta anti-racial se some, à luta dos outros setores sociais discriminados. Nós lutamos por uma nova humanidade, por um novo concei­to de ser humano, onde ser branco, ser negro, ser mulher ou ser homem vale igual. E isso é uma coisa muito importante, e em um momento como este deve se resgatar o valor da contribuição do povo negro e, principalmente, o valor que o movimento negro tem dado para esta luta, que é de todos nós; por um novo ser humano, novas relações sociais e uma nova vida melhor para todos. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

PRESIDENTE: Gostaria de registrar a presença do Ver. Clovis Ilgenfritz.

O Ver. Raul Carrion está com a palavra.

 

O SR. RAUL CARRION:  Cumprimentos à Mesa e demais presentes. Este 20 de setembro de 1996 marca os 301 anos da morte de Zumbi, herói da luta do povo negro e mestiço. Mas, no meu entender e da Bancada do PC do B, também um herói de todos oprimidos e explorados do nosso Brasil.

Relembrar a morte de Zumbi é recordar a epopéia Palmarina que, durante um século enfrentou e derrotou mais de cinqüenta expedições militares dos dois mais fortes colonialismo, da época: o holandês e o português.

E recordar a Epopéia Palmarina, é lembrar os mais de 350 anos de escravidão no nosso País: inicialmente a escravidão indígena, logo a escravidão negra. Contar a história do Brasil, contar a his­tória do trabalho no Brasil, é contar a história da escravidão. No Brasil, como em outros países da América, desde o início, a opressão e a discriminação racial estiveram indissoluvelmente ligadas à explo­ração de classe. Aqui, a história do trabalho - como já disse - é a história  da exploração do trabalho escravo. Para um pouco mais de cem anos de trabalho “livre” nós tivemos 310 anos de trabalho escravo. A nossa história e essencialmente a história da exploração do trabalho dos negros e dos mestiços.

Por isso, mais do que em qualquer lugar, no Brasil a luta pela libertação social está necessariamente unida á luta pela libertação racial e vice-versa. O PC do B tem a convicção de que só a conquista de uma sociedade Socialista e fraterna garantirá a verdadeira igualdade social, racial e de gênero.

Mas isso não sig­nifica ignorar a especificidade da luta do movimento negro contra  a discriminação racial e o racismo - profundamente entranhados em nossa sociedade -  que tem quatro séculos de escravidão contra apenas um século de trabalho não escravo. Essa luta, evidentemente, não é só dos negros e dos mestiços; mas, indiscutivelmente, cabe a eles a vanguarda dessa luta!

No momento em que o nosso Brasil sofre uma ofensi­va neoliberal que busca destruir a nação brasileira, que liquida com os direitos dos trabalhadores,  que causa a maior crise social da nos­sa história, e que agride própria democracia, novamente são os negros os primeiros a sofrerem as suas conseqüências: são os primeiros a serem desempregados, são os primeiros a sofrerem o desman­telamento dos serviços sociais, e assim por diante. Por isso mesmo precisam ser os primeiros a vanguardiar a luta do nosso povo contra esse projeto de traição nacional!

O PC do B tem o orgulho de, desde  o primeiro momento da sua criação, há setenta e quatro anos, ter inscrito em seus estandartes de luta a sua oposição a todo o tipo de discriminação racial e se envaidece de contar em suas fileiras com destacadas lideranças, deputados e dirigentes partidários negros – aos quais reverencio através da figura de "Osvaldão”, Comandante da histórica Guerrilha do Araguaia, morto e degolado pelos militares, como foi Zumbi, trezentos anos antes.

Por tudo isso o Partido Comunista do Brasil saúda mais esta comemoração do Dia da Consciência Negra e inclina as suas bandeiras de combate, em homenagem a todos os heróis que tombaram, e que ainda tombarão nessa luta. Podem contar com o valente PC do B nessa caminhada. Muito obrigado. ­(Palmas.)

 

(Revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE:  Passamos a palavra a Sra. Maria Concei­ção Lopes Fontoura, que fala em nome do Movimento Negro de Porto Ale­gre.

 

A SRA. MARIA CONCEIÇÃO FONTOURA:  (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Inicialmente, cabe fazer uma saudação ao grupo Palmares, grupo negro de Porto Alegre que, em seus estudos, encontrou uma data eminentemente negra, o 20 de novembro, dia da morte heróica de Zumbi dos Palmares; 1996 marca os vinte e cinco anos da definição do 20 de novembro como uma data negra. Inicialmente, serviu de contraponto ao 13 de maio, data em que os negros tiveram uma liberdade sem qualquer tipo de assistência. Considerando que a Lei Áurea teve um único artigo - “a partir de hoje, fica extinta a escravidão; revogam-se as disposições em contrário" -, os trabalhadores negros ficaram a sua própria sorte. A partir de 78, com a criação do Movimento Negro Unificado - MNU -, que teve ramificações por quase todos os Estados bra­sileiros, essa data passou a ser celebrada nacionalmente e, hoje, 20 de novembro, é o Dia Nacional da Consciência Negra.

Neste momento, fazendo uma reflexão sobre o movimen­to negro no Brasil, surgido no final dos anos 60, início dos anos 70, embalado pelas idéias de liberdade das ex-colônias européias na África e pelo ideário do movimento negro americano, podemos considerar que estamos em uma segunda fase.

Na primeira fase, a denúncia caracterizou  o movimento: cabia denunciar a situação degradante por que passava o negro brasileiro, aquele que, durante quatro séculos, foi o único trabalhador no País. Neste momento, que podemos chamar de segunda fase, além da de­núncia, faz parte o anúncio, a busca de soluções efetivas para a comunidade negra brasileira. Podemos destacar como uma das conquistas mais novas a materialização do crime inafiançável de racismo. A vitória de alguns companheiros após uma luta árdua nessa questão tem dado um alen­to porque, há muito tempo, se denunciava que nós vivemos num país ra­cista, mas estava muito difícil conseguir provar, e as lutas do movimen­to chegaram a até conseguir esta importante vitória.

Evidenciar que a educação brasileira é racista é outra vitória do movimento negro. E buscar fazer com que ela se identifique com a maioria da população tem sido o caminho que se busca apontar.

A questão da saúde e também um dos grandes nós a que o mo­vimento e os grupos buscam dar uma resposta.

É sabido, ainda, que muitos negros têm doenças étnicas e que estão, ainda, dificilmente identificados. Buscar identificá-las e procurar o tratamento adequado tem sido, também, uma das lutas do movimento negro.

Acabar com a violência policial que se abate sobretudo sobre a comunidade negra é outra luta que o movimento negro vem travando; buscar sensibilizar os dirigentes destas instituições para que formem melhor os seus comandado  é uma outra batalha do movimento negro.

Mil novecentos e noventa e cinco, ano do tricentenário da imortalidade de Zumbi ser­viu para demonstrar o que a organização do negro é capaz.

No dia 20 de novembro cerca de 30 mil negros oriundos de várias partes do País tomaram Brasília na marcha "Zumbi dos Palmares contra o racismo e pela igualdade racial". Como resultado desta marcha forçaram o Presidente da República a reconhecer que o Brasil é um  País racista.

Como fruto deste reconhecimento, foi criado o Grupo de trabalho Interministerial de valorização da população negra, envolven­do vários Ministérios, da Saúde, Educação e Trabalho.

Independente de afinidade ideológica ou não, é importante que nós, negros e não negros estejamos  atentos  ao desdobramento deste grupo de trabalho, porque não dá mais para isentar o Poder Público de participar efetivamen­te da solução de questões que dizem respeito a população negra. É im­portante entender que o movimento negro e os negros são plurais. Os grupos que compõem o movimento são formados por pessoas que têm varia­das formas de entender como se deve dar a atuação na luta anti-racista. Entretanto, consideramos importante denunciar a atitude de negros que usam a bandeira do movimento negro apenas para proveito próprio, sem qualquer compromisso com o conjunto da população negra. Momentos como este, em que são formados governos em nível municipal, muitos negros usam a bandeira do movimento apenas para conseguir vantagens pessoais, esquecendo de toda aquela comunidade negra, carenciada, que precisa de políticas públicas para o seu desenvolvimento. Defendemos, sim, que os negros devem estar no poder, mas visando a utilizar o poder como forma de transformar a situação de desigualdade em que se encontra a maioria do povo negro. É também preciso entender que a política neoliberal, adotada em nosso País, aponta, cada vez mais, para o alijamento de grande parte da população negra do processo de desenvolvimento, pois não faz parte desse projeto estabelecer compromissos com questões sociais.

A bandeira de valorização da cultura negra, do mundo negro, é a principal bandeira do movimento e não podemos dizer que qualquer negro que esteja visibilizado no País que não seja beneficiado por essa bandeira, embora muitas vezes não considere o trabalho que o movimento faz.

Mais uma vez repetimos que é importante que todo o negro considere, sempre, o valor da luta empreendida pelo movimento negro, porque é uma luta sem trégua pela valorização do direito dos afros descendentes a serem, realmente, considerados cidadãos. Reconhecemos que ainda há muito a ser alcançado e destacamos, entre os desafios que o Movimento enfrenta, a elaboração de um projeto político nacional sob a ótica da população negra brasileira. A construção desse projeto envolverá a discussão e a elaboração de um programa político que contemple a visão do povo negro para a construção de uma nova sociedade, onde não haja discriminações de qualquer espécie e onde o poder seja, realmente, compartilhado por todos os cida­dãos.

Antes de finalizar, queremos agradecer e louvar a iniciativa do Ver. Wilton Araújo que tem constantemente provocado esta Sessão Solene em homenagem a Zumbi dos Palmares e ao Vinte de Novembro a esta data realmente negra.

Mas também neste momento, queremos manifestar a nos­sa tristeza enquanto organizadores da V Semana da Consciência Negra de Porto Alegre por não termos recebido, por parte da Direção desta Casa, o auxílio necessário para a realização da Semana, embora tenhamos, en­quanto organizadores, vindo várias vezes buscar esse auxílio que, se­gundo consta, faz parte de Lei. Lamentamos que uma Casa que elabora leis para a sociedade cumprir não cumpra minimamente a sua parte. Sabemos que liberdade não se concede e que os direitos têm que ser constantemente acionados.

Portanto, irmãos, todos aqueles que estão nesta caminhada sabem que nós, negros, precisamos estar atentos. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE:  Enquanto Presidente desta Casa, nós que­remos registrar, mais uma vez, a satisfação de contar aqui com a presença de inúmeras lideranças do Movimento Negro. Faz parte da história desta Casa o desenvolvimento de posições marcadamente anti-racistas em defesa da liberdade. Queremos registrar que esta Casa tem um dos diplomas jurídicos, legais e constitucionais, com a sua Lei Orgânica na linha da Constituição Federal, mas com mais avanços e mais definições em relação às punições e medidas coercitivas contra a prática de racismo em nossa Cidade, marcadas posições assumidas por esta Casa, não só em relação a sua história, que e a permanente história de uma Sessão Solene que se realiza anualmente, por iniciativa do Ver. Wilton Araújo. Queremos, também, registrar e respeitar, democratica­mente, por último, a manifestação da representante do Movimento Ne­gro de Porto Alegre, Maria da Conceição Lopes Fontoura, que manifes­tou a desconformidade pela falta de auxílio material desta Casa as programações da Semana do Movimento Negro.

Quero registrar, também que, como dirigentes e administra­dores desta Casa, estamos submetidos a uma série de regras e princí­pios de ordem contábil e sob fiscalização direta do Tribunal de Contas. A Procuradoria da Casa, é importante que se faça este esclarecimento, deu um Parecer contrário a liberação nas condições em que o pedido estava formulado, embora todos conheçam a posição, não só como Presidente da Casa, mas que este Vereador, não o Presidente, tem na luta contra o racismo em nossa Cidade, em nosso Estado. Ainda no ano passado eu participei  e muitos daqui  têm conhecimento disto, do Encontro Nacional contra o Racismo, em agosto de 1995 na Cidade de Salvador, preparando a célebre marcha que a Maria Conceição referiu pela passagem dos três anos. É uma explicação que entendemos importante que se faça e recebemos também com humildade a crítica formulada, não concordando na sua totalidade, mas lamentando que essa Casa não tenha podido ter condições legais de formalizar esse apoio material, que é importante na luta porque se faz não só na prática, na retórica, mas na ação concreta de colaboração material em relação à luta do movimento negro. Desde já e antes mesmo de extinguir-se o mandato desta Mesa Diretora, nós queremos deixar prontas as questões e rubricas orçamentárias regis­tradas no orçamento da Câmara destinadas especificamente ao cumpri­mento dessa Lei que integra a Câmara de Vereadores às comemorações da Semana de Zumbi e à comemoração da data maior do movimento negro brasileiro.

Queremos, antes de encerrar, registrar, com satisfação, a presença do Ver. Artur Zanella nesta Sessão. Agradecemos a todos e reitero a satisfação neste encontro.

E encerro a presente Sessão.

 

(Encerra-se a Sessão às 18h24min.)

 

* * * * *